Barão da Mata - Verdades e Diversidades

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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

DERAM O LIVRO ERRADO PRO WALCY CARRASCO LER

Tive o grande prazer de assistir, em 1975 (aos 17 anos), pela Globo à novela "Gabriela", estrelada por Sônia Braga, Armando Bógus e José Wilker, adaptada da obra de Jorge Amado para a tevê por Walter George  Durst.  Já lera naquela época "Terras do Sem Fim" e "Os Pastores da Noite", do mesmo romancista, e ver a novela me fez ainda mais admirador do autor baiano - que mais tarde vi (e ainda vejo) como uma espécie de vítima, em vida, de um certo preconceito e elitismo intelectual, porque grande parte de seus romances ocorre em ambientes de grande concentração de pobreza, com a presença de inúmeros personagens inseridos nas camadas marginais (prostitutas, vigaristas, jogadores, delinquentes, ladrões), e a linguagem dos tipos do  narrador realista é a utilizada pelos membros de tais grupos, com pornografias e expressões pouco acolhidas pela intelectualidade.  Como se não bastasse torcerem o nariz para as situações e falas das figuras criadas por Amado, este ainda era visto, por ser muito lido e vendido para todas as classes sociais,   como uma espécie de escritor de repertório brega.  Jorge chegou a dizer, ironizando e atacando seus críticos, que era "autor das putas e dos vagabundos".  Ao fim de tudo, entretanto, todos tiveram de se render ao fato de ele ser um dos  mais lidos no mundo inteiro.  Como não bastasse isto, a sua morte foi o grande golpe de misericórdia na crítica preconceituosa, e hoje Jorge Amado é um autor inserido entre os mais eruditos do Brasil.
Embora não pudesse deixar de fazer os comentários que fiz, não é à figura de Jorge Amado que me quero prender, mas à adaptação atual de "Gabriela, Cravo e Canela", desta vez realizada por Walcy Carrasco.  Li o romance em 1990, após outros dez ou onze do mesmo criador, e, se havia deturpações na adaptação de Durst (que fez Chico Anysio dizer que, se fosse Amado, dar-lhe-ia o livro - logicamente num protesto contra as modificações), na adaptação de Carrasco existe a quase absoluta ausência da obra do falecido romancista baiano.  O homem (Carrasco) acrescentou personagens que não havia, suprimiu alguns existentes, criou passagens e histórias não acontecidas, deu a criaturas falas que nunca aconteceram, fez falar muito quem não falava nada, promoveu uma bagunça danada na narrativa!  Estuprou a obra.  
Apesar de contar  com atores do gabarito de José Wilker (antes Dr.Mundinho, agora coronel Jesuíno, mas que deve sempre ser visto), Antônio Fagundes (que, veja só, faz um coronel Ramiro Bastos forte e espadaúdo, ao contrário do oitentão decrépito do romance e da novela de 1975 - interpretado pelo grande e magnífico Paulo Gracindo ), Ary Fontoura (Dr. Pelópidas na antiga novela), Laura Cardoso (que faz a mãe do coronel Amâncio Leal e fala e exerce uma grande ascendência e liderança sobre as pessoas, quando, traído por minha memória, tenho a impressão de que a velhinha, se existiu, não falou nada ou quase nada durante toda a novela e o romance).  Em contrapartida, porém, Amâncio Leal, interpretado com grande brilho por Castro Gonzaga no passado, é hoje vivido por um cara que, tentando imitar a voz grave do falecido ator, mais parece que enfiou um ovo de  avestruz na boca e não consegue mostrar nem sotaque nem aquela autoridade perversa e natural passada aos espectadores por Castro (apesar de, no romance, Amado narrar que a figura tinha a fala mansa e afável embora fosse uma pessoa perigosa).  Marcelo Serrado faz um Tonico Bastos que não tem nenhuma personalidade,  a mínima graça, tentando debalde imitar o Fulvio Stefanini, que brilhou tanto na papel, que ouviu do próprio Jorge: "O SEU Tonico Bastos é melhor do que o meu."
Se  Walter George Durst em sua adequação da história à tevê não respeitou alguns pontos da obra, Walcy Carrasco fez uma miscelânica dos diabos, começando pelo Nacib vivido pelo Humberto Martins, que está longe, muito longe de chegar perto do grande Armando Bógus.  Pode ter acertado  a mão na escolha de Juliana Paes, que é bonita e gostosa como o quê, muito embora eu ache estranho que, em 1920, uma mulher usasse vestidos tão curtos e decotes tão ousados como os da atriz sem ser violentada pelos tarados e literalmente linchada pelas mulheres dos coronéis e as outras ciumentas da cidade.  Mais impressionante é que, vanguardista em matéria de moda íntima, aquela Gabriela usa calcinhas fio-dental ainda naquele tempo.  Incrível! Quem seria o estilista?  Adoro bunda, peitos e coxas, sobretudo em se tratanto da mencionada atriz, mas que não existia fio-dental naquela época, não existia mesmo!  Ao que me lembro,  a bela invenção só nos agraciou os olhos a partir dos anos 1980.
Em suma, o que eu acho é o seguinte: alguém da equipe sabotou o nosso Carrasco e lhe entregou o romance errado, mas que ele não leu "Gabriela, Cravo e Canela", ah(!), minha gente(!), não leu não!

2012

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